Professora Bao foi convidada pelo VIII Forum de Migração UFRJ para fazer uma palestra sobre a sua experiência da imigração e seu trabalho. Aqui está o texto da palestra a gravação viva da palestra está na página www.facebook.com/professorabao
Bom dia, pessoal! Primeiro agradeço ao convite do professor Hajji Moha, foi uma grande honra ter recebido esse oportunidade para falar sobre meu trabalho e minha experiência pessoal como uma chinesa que mora no Rio de Janeiro.
Essa foto sou eu, 12 horas depois de chegar ao Brasil pela primeira vez. O senhor no meio vestido de mulher é amigo do meu sogro, e quem o vestiu foi sua esposa. Ao lado dele é meu marido Leo.
Quando eu coloquei meus pés no Galeão, tinha uma fila de pessoas – eram a família e os amigos do meu marido. Eu nunca tinha vista tanta gente estrangeira concentrada e o pior, todo mundo estava esperando para me beijar. Gente, chineses não beijam!
Chocada com a experiência do aeroporto, imaginem agora na Banda de Ipanema com um senhor amigo vestido como mulher…
Mas Rio, cariocas, brasileiros são extremamente diferentes. Sim, nunca houve uma fila com tanta gente pra me beijar antes de chegar ao Rio, mas também nunca tinha visto tanta gente alegre, feliz, juntos por nada…só porque era Carnaval!
Isso eu gosto!
A maior dificuldade de todo imigrante é a adaptação à vida local.
Vida local é uma fórmula que contém muitos elementos. Língua, história, costumes, hábitos, cultura, religião, política… Décadas de globalização e uso de Internet expuseram as pessoas a uma quantidade enorme de informações novas e situações exóticas. Isso pode causar influências, transformações, progressos, mas muitas vezes, conflitos…
A minha sorte é que eu cheguei ao Rio. O Brasil é um país de imigrantes, ou como nosso governo federal sempre repete: um país para todos. O ambiente carioca para os gringos é o mais amigável que conheço. Em quase 16 anos no Rio, eu nunca tive nenhuma experiência negativa causada pelo fato de ser estrangeira, ou chinesa. Se um estrangeiro sente dificuldade em se adaptar no Rio, a primeira dúvida que me vem à mente é sempre: você fala português?
Mas eu não cheguei a essa conclusão pelo caminho curto, não. Eu demorei para entender. Uma semana depois do meu primeiro Carnaval, eu fui ao supermercado para comprar sal e com muita gentileza e ajuda de um funcionário que somente falava português, cheguei em casa com açúcar. Eu achava que “Yemanjá” era “amanhã”, mas o pior de tudo, descobri que três não era “tles”, frango não era “flango”…
Todo mundo no Rio sabe que, depois do Carnaval, a vida real começa. Sem saber falar a língua local, eu virei uma criança de 3 anos. Eu queria ser independente, e queria viver como eu vivia na China, engenheira de computação. Mas Brasil não é China e China não é Brasil. Eu precisava arranjar um jeito rápido para eu renascer como um adulto. A vida de um adulto é feita pelas comunicações com a sociedade onde vive. Para não confundir suco de acerola com suco de melancia, só olhar pela cor não adianta, é preciso saber ler. O emprego em que somente se precisa falar mandarim ou inglês é bicho fantástico, existe mas não sei onde achar. Depois uma briga com a língua portuguesa – que é dificílima! -, eu percebi sinceramente que todos os caminhos estavam apontando uma direção só: português.
Língua é uma ferramenta mais útil e efetivo para construir uma comunicação. A comunicação é a chave para se evitar conflitos, fazer influência e viver experiências novas, positivas, construtivas… e embora comunicação não dependa somente de língua, língua certamente pode ajudar.
Quando eu comecei a me comunicar em português, minha vida melhorou muito e as mágicas aconteceram. Dois anos atrás eu abri meu curso de chinês, e além do curso normal eu também criei o curso de “Brasil para chineses”. Porque eu sei como é importante aprender linguagem local para os imigrantes chineses se adaptarem. Isso não é um curso de idioma mas um curso de vida carioca que inclui os elementos essenciais brasileiros.
Como eu lhes disse que língua é uma ferramenta efetiva, quando eu virei professora de língua chinesa, eu também passei a auxiliar na construção da comunicação entre duas culturas completamente diferentes. Para mim, ser professora é divulgar conhecimentos, inspirar e até transformar os alunos em algum nível.
Aqui estão meus alunos, Lucas, Rafael, Catharina e Gustavo. O que escrito no papel é Os alunos da professora Bao. Quem escreveu foi aluno Rafael no meio.
Essa é a aula de caligrafia, uma bela arte da cultura chinesa.
Essa é o meu aluno Pedro que ganhou o segundo lugar de “han yu qiao – ponte chinês” do Rio de Janeiro em 2014. Han Yu Qiao é uma competição mundial da língua chinesa entres os estudantes universitários.
Essa é a linda tradução da minha aluna Giovana, uma poema de século sétimo do Li Bai (Li Bo).
Nas minhas aulas, encontro as diferenças dos dois mundos entre China e Brasil todo dia. A aula naturalmente não pode ser apenas sobre conhecimentos linguísticos; precisa também dos conhecimentos históricos e culturais dos dois lados. Cada vez que um aluno consegue se expressar, mesmo com erros, eu sempre elogio: a comunicação aconteceu! Porque aprender uma língua estrangeira é, no fundo, conhecer a sua cultura e história e assim conseguir se comunicar. Quando os dois lados se entendem, fica bem mais fácil se tolerar e evitar os conflitos, e finalmente a comunicação vira um sucesso para os dois lados.
No Rio, pela minha experiência, há três tipos de pessoas que estudam chinês.
- Gostam
- Precisam
- Gostam e precisam
Essa foto é ideogramas chinês que fiz com massa de modelar.
Essa é …o que? Adivinhem!
É Braille em chinês! Quando eu falei para minha aluna Mariana, que sofre de deficiência visual, que ia colocar um “cavalo 马” na mão dela, ela me mandou para tomar banho. Mas a expressão da rosto dela quando os dedos dela tocando o ideograma “ma, cavalo”, foi uma das coisas mais lindas que vi na vida.
Chinês é uma língua mágica, e seu método único de escrever e falar consegue até superar as dificuldades e iluminar o mundo de uma menina com deficiência visual. Por isso aprendi Braille em chinês e gostaria de ajudar mais pessoas como Mariana. E como uma estrangeira, oferecer a minha cultura também ajuda os locais a me entenderem e me aceitarem.
Outra história aconteceu com minha aluna Patrícia. Ela encontrou um casal chinês no avião indo para Buenos Aires e o casal somente falava chinês. Quando o avião estava chegando, Patrícia viu que uma aeromoça estava “brigando” com o casal. O casal queria preencher um formulário que era para argentinos, mas a comunicação falhou porque os dois lados não tinham como se entender. Naquele momento crítico, Patrícia lembrou da palavra que tinha aprendido na aula, “Bu yong, não precisa”, e assim ganhou um abraço da aeromoça e muito “xiexie, obrigado” do casal.
Língua ajuda!
Segundo uma pesquisa do governo chinês, o Brasil é o país com o maior número de imigrantes chineses da América Latina, cerca de 250 mil habitantes. Mas a imigração chinesa já começou em século 19, quase 150 anos. Tenho dois vídeos dos meus alunos. São descendentes chineses, uma é do Rio e outro é da França que trabalha no Rio.
Julien da França
Chen Yuanfang do Rio
Voltemos para o assunto do começo da palestra: a maior dificuldade para um imigrante é se adaptar à vida local. E essa adaptação tem missões diferentes nas gerações de imigrantes. A primeira geração precisa sobreviver, mas a segunda e terceira…precisa se identificar. Tem um apelido especial para os descendentes de chineses na China, “Xiang Jiao, banana”. Amarelo fora mas branco dentro. Esses crianças cresceram em ambiente local e raramente têm problemas de comunicação como seus pais. Mas como cultura chinesa é uma cultura tradicionalmente fechada, as crianças vivem em casa que nem na China mas, na escola e no trabalho, como os locais. Isso pode causar um crise de identidade. “ Por que temos que obedecer os pais incondicionalmente? Quem é aquele “deus” na parede da sala que parece um guerreiro antigo? De onde vieram os avós? Por que comemos torta de lua no festival de meio-outono? Somos brasileiros ou chineses?”
Essas dúvidas e questões podem acompanhar a vida inteira dos descendentes chineses. Eles sentem que ficaram no meio das culturas e não sabem a que lado pertencem. É uma situação complicada e delicada. Tem solução? Tenho uma chave que pode levar para a solução – Chinês.
Chinês é uma das mais antigas línguas vivas do mundo. Sua beleza está em grande parte nesta conexão com o passado. Por isso, estudar chinês também é um processo de estudar história chinesa. Se a China fosse um rio, aprender chinês seria como um navegador que descobriu a origem do rio e assim vai entender o presente e o futuro do rio. Por isso meu trabalho é trazer diretamente aquele país distante, estranho, das histórias e lendas aos alunos descendentes de chineses e brasileiros, diminuir a distância e superar as diferenças entre China e Brasil.
Eu amo meu trabalho, tenho paixão em divulgar a cultura chinesa e ajudar a construir comunicação. Eu acredito que conflitos muitas vezes vêm de mal-entendidos e medos. Por isso eu criei uma propaganda no Facebook: Estudar chinês é melhor do que brigar!
Gente, muito obrigada!